INSÔÔNIA.com
ACONTECEU COMIGO #54
set
29
2014

Oi Gislaine, torço muito para que você leia meu e-mail, quero muito contar o que me aconteceu ontem após o discurso do Levy Fidelix. Acesso seu blog há tempos e virei seu fã quando li, um tempo atrás, um tweet seu dizendo que ama os Gays e que todo mundo merece ser feliz. Não sei se foram sinceras suas palavras, se sim, saiba que te admiro muito pela sensatez e obrigado pelo respeito.

Mas, Gislaine, infelizmente e com pesar que venho lhe contar que estamos muito longe da tão sonhada felicidade. Nós, gays, sofremos preconceito diariamente. Agressões verbais e físicas nos cercam cada vez mais. É triste saber, que em pleno 2014, ainda existam pessoas que são contra a felicidade alheia.

Tenho 19 anos e desde criança sempre soube da minha condição. Nunca me interessei por meninas, lembro-me de quando tinha 11 anos e sonhava com o sorriso de um amigo de classe. Mas nunca tive coragem de expor meus sentimentos para ninguém. Sempre respeitei o próximo e na época não compreendia muito essa minha atração por meninos.

Sou um filho exemplar, Gislaine. Sempre estudei em escola pública e nunca dei trabalho para os meus pais. Nunca envolvi com pessoas erradas e sempre fui um ótimo aluno. Sequer peguei uma recuperação no colégio. Com 17 anos fui aprovado em medicina, numa instituição federal, na qual estudo atualmente. Meu pai é militar e minha mãe dona de casa. Religiosos fervorosos.

Porém, nunca fui orgulho de minha família. Sempre vivi repreendido, infeliz. Tenho um irmão traficante, no qual minha mãe faz questão de deixar claro que o ama mais que eu. Meu pai não apoia atitude dele, mas o aceita. Desde que ele não o traga problemas.

Desde pequenino, fui taxado de “viadinho” pelos os amigos e familiares. Cresci ouvindo meu pai dizer “vira homem, seu merda”. Nunca o respondi. Sempre abaixava a cabeça e ia chorar pelos cantos da casa. O primeiro garoto que beijei foi na faculdade. Apesar das minhas vontades, sempre respeitei minha família e vivi em função deles. Nunca quis entristecê-los.

A minha maior esperança, era um dia crescer, estudar e passar em medicina para que meus pais se orgulhassem de mim. Mas isso não aconteceu. Tudo que conquistei foi somente uma obrigação minha – “É mais que sua obrigação”.

Já quis largar meu curso e ser padre. Quis me refugiar de mim mesmo. Estava fortemente decidido, até conhecer um garoto na faculdade, por quem me apaixonei. Tem 1 ano que a gente começou a namorar.

Pela primeira vez, senti vontade de viver. Até então, apenas sobrevivia para que um dia eu pudesse ser amado pela minha família. Ele me apresentou a “Senhora Felicidade”. Uma senhora de bem com a vida, com a alma leve, que ama os animais, que fala bom dia às pessoas com um sorriso estampado e coração radiante, que olha para o próximo, como se olhasse para si mesma. Me senti amado, pela primeira vez na vida.

Sabe Gislaine, nós somos pessoas do bem. Eu e meu namorado somos voluntários no hospital do câncer, levamos alegria para as pessoas doentes e também ajudamos no orfanato da cidade, que possui hoje, cerca de 120 crianças que foram abandonadas. Crianças sem propósito de vida e com um futuro incerto. Sem contar diversas outras ações sociais que participamos. Fazemos isso por amor ao próximo, porque queremos e nos sentimos felizes com isso. É isso que Jesus nos ensinou, amar o próximo como a si mesmo! Creio fortemente no Deus do amor, aquele que ama-nos, independente de orientação sexual, raça, credo e religião. Não creio daquele Deus que castiga, que condena, que julga. Somos livres para sermos quem somos. Deus quer somente que sejamos pessoas do bem.

Não estou aqui para “fazer meu filme” ou me vitimizar, até porque não tenho interesse algum em divulgar meu nome. Apenas estou relatando a minha vida para mostrar que os gays também são seres humanos, que também podemos fazer o bem e lutar por um mundo melhor para todos.

Apesar da felicidade que vivi, por finalmente ser quem eu sou de verdade, ainda existe um vazio grande dentro de mim, vazio este que me martiriza e me crucifica diariamente, que é a minha família e o preconceito da sociedade. Isso sim é uma covardia termenda que passamos.

Há 2 meses que me assumi para os meus pais. Criei forças e decidi encarar a realidade. Estes que sempre souberam de mim e me julgam sempre. Eu precisava falar, eu precisava sair desta bolha que sempre me sufocou. Não conseguia mais engolir todas as ofensas e ficar quieto. Foi aí que me abri, depois de um desses insultos de meu pai, falei a verdade… “O Senhor tem toda razão, sou gay sim. Eu confesso!”.

Depois pedi desculpas e perdão por ser quem eu era e que infelizmente eu não optei por isso. Quem em sã consciência escolheria uma vida tristonha como essa? Posso garantir que se nós, gays, pudéssemos escolher, escolheríamos amar uma mulher. A vida seria mais fácil. Ninguém escolhe ser apedrejado, espancado e rejeitado pela maioria. Acredite!

Após a confissão, apanhei muito. Fui brutalmente espancado pelo meu pai. Por milésimo de segundos, neste dia, achei que minha mãe iria me aceitar, pois ela gritava muito para o meu pai parar de me bater. Ela implorava e o segurava com tanta força, que me senti amado por ela naquele momento. A ponto de não ligar mais para as dores físicas e se emocionar com a atitude dela. Cheguei a desmaiar de tanto que apanhei. Acordei horas depois na minha cama. Só conseguia lembrar da atitude “bonita” da minha mãe…

Fiquei uma semana dentro de casa para me recuperar da surra que levei. Minha cara inchou bastante, tive derrame ocular pelo soco no olho que levei e senti muitas dores musculares. Não quis preocupar os amigos e o namorado. Precisei de tempo para encará-los e dizer que estava tudo bem.

Depois disso, meu pai não trocou mais nenhuma palavra comigo. Me ignorou por completo. Eu ali, era mesma coisa que nada. Eu não podia mais sentar-se a mesa para almoçar com a minha família, não podia mais ligar a televisão do meu quarto, o meu cachorro que eu tanto amava e que resgatei da rua quase sem vida, meu pai doou. Já a minha mãe, passou a me lembrar frequentemente, que eu era a decepção da família. Dizia que eu sou a vergonha de todos, que preferia que eu fosse como meu irmão, porém macho de verdade.

Bom, naquela semana, percebi que ali não era mais o meu lugar. Nada que eu fizesse mudaria a opinião deles. Entendi que jamais serei aceito e respeitado. A minha família, não é minha família. Eles não me querem por perto. E então, voltei a faculdade com mais vontade ainda de crescer e conquistar o meu espaço. Desta vez, não para eles sentirem orgulho de mim, mas por mim mesmo. Para que eu possa um dia sair de casa, para nunca mais voltar.

Recuperei-me, aceitei a decepção e vinha seguindo minha vida até então. Esses 2 meses, confesso que têm sido os piores da minha vida. Foi meu aniversário semana passada e não recebi um aperto de mão sequer da minha família. Eu literalmente morri para todos.

Como não bastasse todo o sofrimento, ontem quando cheguei em casa, deparei com a minha família assistindo o debate dos presidenciáveis. E coincidentemente (infeliz coincidência), no momento em que entrei em casa (eu tinha ido à missa com meu namorado), a Luciana Genro fez a pergunta ao senhor poço de ignorância Fidelix. Pronto, o ringue estava armado novamente. Parei para ouvir a resposta do senhor candidato (sinceramente, recuso em chamá-lo pelo nome, este não merece o nome que tem) e foi o suficiente para o meu pai quebrar o meu braço e deslocar a minha clavícula.

Após a declaração preconceituosa do candidato, meu pai se referiu a mim violentamente, afirmando que eu deveria morrer. No momento não sei se tive mais dissabor do meu próprio pai ou do presidenciável, que cometeu um crime bárbaro de incitação ao ódio em rede nacional.

Fiquei sem reação por uns segundos, quando percebi já tinha apontado o dedo na cara de meu pai e o chamado de monstro. Até então, nunca o havia respondido com tanta grosseria, sempre o respeitei. Não sei dizer o que aconteceu comigo. O que posso dizer é que cheguei do hospital a poucos minutos e estou neste momento trancado em meu quarto, chorando muito, com dificuldade respiratória, digitando com fortes dores, imobilizado, olhos inchados (mais uma vez) e o braço engessado. Meu pai perdeu a cabeça e me espancou como se eu fosse um pedófilo, um assassino, um estuprador ou qualquer outra coisa. Naquele momento, ele esqueceu que sou filho dele,sangue do seu sangue, alguém que só sonhava em ser feliz e amado. Alguém que daria a vida por ele.

Não sei o que será daqui para frente, Gislaine, mas torço que minha história seja escolhida. Não quero prejudicar meu pai, não espero que ele seja punido, nem tão pouco preciso de conselhos. Felizmente, tenho fé e forças para me levantar sempre que caio. Mas não vou desistir do ser humano. Não vou desistir de buscar um mundo melhor. Só espero que minha história possa ser vista com bons olhos. Quem sabe eu consiga mudar o pensamento de algumas pessoas. O preconceito é normal quando não se tem conhecimento do assunto. Todos nós temos preconceitos e direito de tê-los. Mas não se feche para o mundo, não tape os olhos para o sofrimento do próximo, não julgue.

Nós, gays, não queremos ser melhores que ninguém. Não desejamos que os héteros morram, nem tão pouco que percam seus direitos. Queremos somente IGUALDADE e RESPEITO. Também somos seres humanos como qualquer outro. Com erros e acertos, mas seres humanos. Nós também merecemos ser felizes!

Não queremos que você nos aceite garganta abaixo, mas que você olhe devagar para conosco. Antes de julgar e apontar alguém, lembre-se que ali, existe uma pessoa de carne e osso, como você. Hoje sou eu que sofro, apanho e sou rejeitado. Amanhã pode ser um filho seu. Pense nisso!

Desculpa-me pelo texto longo, resumi o máximo que pude, queria ter escrito mais, porém as dores me impedem neste momento e não sei se meu texto será escolhido, queria que pudessem me conhecer verdadeiramente, queria que o amor ao próximo fosse um dever, queria que as pessoas fossem menos maldosas, queria ser feliz…

JM

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